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Minhas Memórias da Santa Casa

Quando criança pensava em ser professora, porem meus irmãos menores tiveram abscessos na pele e eu adorava limpar e  tirar crostas,e era eu juntamente com meu pai que os levava ao medico.Também uma ocasião, lavando a louça, um copo quase decepou meu dedo, no Pronto Socorro minha mãe desmaiou e eu fiquei segurando agulha enquanto  minha mãe era atendida. Meu pai percebeu que eu levava jeito para área médica e foi meu grande influenciador.

Após 1 ano de cursinho no Objetivo, entrei em 4 faculdades: Jundiaí, Mogi, Santos e a Santa Casa de São Paulo

Lembro bem do 1º dia de aula, logo fui copiando tudo e não me dei conta que era trote. O professor queria demonstrar as calouras, que virgindade podia levar ao câncer e obvio que na saída se proponha juntamente com outros a resolver esse problema.

Ainda no 1º ano tivemos que aprender a pegar veia e a 1ª lição de vida veio de um senhorzinho que vendo minha inexperiência e medo de machucá-lo, logo foi me dizendo que podia picar, se eu errasse não se incomodaria, achava que estava ali para ser ajudado, mas também para ajudar.

Os renomados professores da Santa Casa foram maravilhosos e nos presentearam com a suas experiências e vivencias pessoais, o que não encontramos em livro nenhum e eu querendo absorver tudo, aprendi a escrever super-rápido para colocar tudo nos cadernos. Esses cadernos serviram de livros para mim e muitos colegas estudarmos.   Eu infelizmente, anos depois perdi todo esse material.

Depois veio o coral, que foi uma das melhores coisas que a Santa nos proporcionou, foi contratado o conceituado maestro Samuel Kerr que se integrou perfeitamente ao espírito dos alunos, cantávamos 2 a 3 x por semana nos intervalos das aulas, viajamos muito, nos divertimos muito e estreitamos nossos vínculos de amizade.

Na medicina, tudo era novidade e muito interessante e como eu queria por logo a mão na massa e ter independência financeira, fui trabalhar no Banco de sangue do Hospital Cristo Rei e lá entrei em contato com a área cirúrgica e adorava instrumentar algumas cirurgias.

No 3º ano da faculdade fui estagiar na Casa Maternal e lá me apaixonei pela obstetrícia. Foi lá que mesmo ainda estudante me convidaram, não sei se pela minha audácia, coragem ou inconseqüência, para dar plantão num hospitalzinho de periferia na zona leste. Nesse hospitalzinho eu era tudo ao mesmo tempo: anestesista, cirurgiã, e neonatologista  e a única pessoa alem de mim na sala era uma auxiliar de enfermagem. Nunca vi nem soube quem carimbava e assinava todos os meus procedimentos. Foi lá também que pela 1ª vez cuidei de bebezinhos.

Conforme passava pelas especialidades, achava que aquela era a ser escolhida, adorei fazer gesso, para mim era como tivesse fazendo escultura, na cirurgia adorava cortar, limpar, costurar como uma dona de casa, mas desvendar quebra-cabeças como na clínica médica, isso sim era um desafio.

Porém, quando passei na clínica médica, descobri que jamais poderia passar minha vida cuidando de adultos, porque com a doença vinha também toda uma história de vida que me envolvia muito. Uma mãe solteira com leucemia, chorava porque sua mãe a tinha expulsado de casa e não sabia com quem ia ficar o bebe após sua morte. Ficamos amigas e levei algum livros de romance que tinha em casa, os quais nunca mais recuperei, quando ela se foi. Teve também um enfisematoso, fumante inveterado, que como tirei os cigarros dele, de madrugada ele pegava as botucas nos cinzeiros do hospital. Tive que assistir a autopsia dele.

Então acabei na pediatria porque achei que lá encontraria mais nascimentos do que mortes. Mal sabia eu que cada morte é única e disser para uma mãe que o filho morreu é inenarrável.

Na nossa formatura cantamos no coral e eu fui incumbida de dar flores para o nosso paraninfo. Foi uma grande honra.

A Santa Casa me trouxe tanto conhecimento que acabei entrando em 4 residências de pediatria médica, incluindo a USP, não sei se fiz bem ou mal, mas optei por continuar na Santa.

Logo no primeiro ano de residência, fiz concurso para o Estado e fui trabalhar no bairro do Mandaqui, no H. Infantil da Zona Norte, que na época queria se tornar o Hospital das Clinicas da zona norte.

Acabei ficando no Hospital do Mandaqui bem mais de 20 anos. Como adoro a adrenalina da emergência comecei como pronto-socorrista, passei a ser preceptora da retaguarda, ai meu sonho de criança de ser professora de realizou e acabei aumentando minha carga horária para me tornar Coordenadora da residência de pediatria do H.do Mandaqui.

Mais tarde já com 3 filhas, necessitei me transferir para perto do consultório, indo  para o Instituto Pasteur na Av Paulista, lá me especializei em Raiva humana.

Com o mesmo intuito de ficar mais próximo, na mesma época, fui ser auditora interna no antigo Hosp. Brigadeiro, onde tive que entender até de cirurgia plástica.

Mas meus pais envelheceram e necessitei entender mais sobre idosos, então fui fazer 1 ano de geriatria na USP. Passei em 1º lugar.

Em 2003 já com filhas criadas, entrei na prefeitura, num posto na Zona Norte, onde a necessidade era cuidar de adolescente, lá fui eu novamente me reciclar e fiz um ano de Hebiatria no H. Menino Jesus antes de iniciar o atendimento a população.

Mas em 2007 me transferi para a COVISA, no centro da cidade e, mais uma vez,  tive que me aprofundar mais em um assunto, desta vez foi Animais peçonhentos e fui  passar uns tempos no Hospital Vital Brasil para me tornar a responsável no MSP deste agravo.

Após o nascimento do 1º neto comecei a diminuir minha carga horária lentamente ficando com 3, depois 2 e 1 emprego e sofrendo muito para largar de vez essa profissão maravilhosa que é ser MÉDICO.

Na minha visão, a Santa Casa nos deu um grande diferencial, que é conseguir navegar por toda a medicina, independente da área escolhida. Ela nos deu uma ótima visão de funcionamento do corpo humano, sendo fácil para nós entendermos qualquer distúrbio.

Meus tempos de Santa Casa, na verdade nunca acabarão porque são eternos na minha memória e os vivencio sempre, quando ando na rua, me vejo fazendo diagnostico nos passantes ou quando viajo, acabo levando meia mala só de medicamentos para possíveis necessidades e acabo tratando todo o grupo.

Essas memórias são INESQUECIVEIS.

 

Vera Adorinda Pinto Arantes - VIII turma - março de 2019